quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Natal é luz

Este ano fui cercada pelos símbolos do Natal e a culpa é de Matias.

Antes de vir para a Ilha Maternália, eu era um ser minimalista na decoração natalina de casa. Árvore de Natal? Só das pequenas, semiprontas, que dispensam adereços. Enfeite de porta? Servia um anjinho de madeira, meio descabelado, que tocava um sino toda vez que a porta abria. Vez ou outra eu colocava um enfeite de mesa, que se parecia com um presépio. E só.

Mas hoje nossa casa está diferente.

Tudo começou em novembro, quando abriu uma nova loja perto de casa, estilo 25 de março, vendendo adereços natalinos “made in China”.

Matias olhou encantado para a vitrine com Papais Noéis, bonecos de neve, renas, guirlandas e afins. E então falou: “Mamãe... Tal... Tal”.

Não sei como, mas Matias já sabia que aquilo era “Natal”. Então levamos para casa um pequeno Papai Noel de pano. Ele brincou, brincou, brincou com o boneco. E não falou mais no assunto.
Duas semanas depois lá estávamos nós de novo na frente da loja e Matias gritou: “Mamãe... Tal, Tal”.

O interesse seria pela pequena rena, que acompanhava o Papai Noel? Ou pelo diminuto boneco de neve? Na dúvida, levei os dois. Matias brincou, brincou, brincou com os bonecos. E não falou mais em Natal.

Meu filho passou todo o mês de novembro gritando “Tal, tal” toda vez que nos aproximávamos da vitrine da tal loja. E nossa casa ganhou ares nunca antes decorados. Colocamos bolas coloridas na antiga árvore semipronta e consertamos o cabelo desgrenhado do anjinho de porta.

A família e os amigos também contribuíram com panos de prato natalinos e enfeites diversos para os quatro cantos da casa. Ganhamos até meias gigantes, com a cara do papai Noel. E achamos um belo presépio, feito com palitos de fósforo.

Porém, por mais que o lar estivesse com a cara do bom velhinho, Matias não falava “Tal” dentro de casa. Para ele, o Natal estava lá fora, naquela vitrine de loja.

Quando dezembro chegou, veio a surpresa.

Enquanto passeávamos em uma rua do bairro no fim de tarde, Matias apontou para um prédio de dentro de seu carrinho e gritou: “Mamãe... Tal, tal!”. Depois apontou para uma casa e de novo: “Taaaaaaal, tal!”. Mais para frente, ao virarmos em outra rua, ele mirou outro prédio e: “Tal, taaaaaaal, mamãe!”.

Todos esses lugares tinham algo em comum: luzes! Eram luzinhas e mais luzinhas em suas fachadas, que brilhavam forte, em várias cores, assim como a vitrine da loja de adereços.

Do alto de seus 16 meses de vida, Matias entendeu o que religiões pregam e sábios entendem como o verdadeiro espírito desta época do ano: Natal é luz.

Hoje, três metros de luzes pisca-pisca enfeitam nossa janela. “Taaaaaal”, diz Matias quando nós as acendemos. Agora sim, trouxemos o Natal para dentro de casa.


Um Natal de muita luz para todos!

Matias, Rita e Torero.


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Mulher invisível

Nunca tomei chá de sumiço. Nem tive aulas com Harry Potter para aprender a desaparecer. Mas, depois que vim para a Ilha Maternália, me tornei uma mulher invisível.

Durante a gravidez, eu recebia todo tipo de mimo e atenção. Colhi os louros de quem carrega a semente para a continuidade da espécie. Todos demonstravam algum nível de preocupação com meu bem estar e a saúde do bebê. Eu estava comendo direito? Tinha muito sono? Pés inchados? Precisava de algo? Limão? Antiácido? Qualquer coisa, mesmo?

Esse carinho não vinha apenas dos conhecidos. Com meu barrigão eu era parada na rua por estranhos e celebrada como uma deusa da fertilidade.

Assim que Matias nasceu fui removida da calçada da fama e alçada sem escalas para o anonimato.

De uma hora para outra, as pessoas deixaram de perguntar por mim. Não importava mais se eu tinha dor, se sentia frio, se estava cansada ou com fome. Meu papel mudou de protagonista para coadjuvante na vida do meu bebê. E passei a existir de um jeito diferente. “Maria Rita? Quem? Ah, a mãe do Matias.”

Me senti como o personagem do livro de H.G.Wells, “O Homem Invisível”: um ser humano renegado, alijado e preterido.

Ser invisível tem lá seus contratempos.

Dia desses fui atropelada por uma senhora com seu carrinho de supermercado:
“Desculpa, moça, não te vi! Estava olhando para seu bebê. Doeu?”
“Doeu.” Mais no ego que no pé. Afinal, mesmo invisível eu ainda existo.

Foi difícil quando a invisibilidade tangenciou a família:
“O Matias melhorou da gripe?”
“Mãe, quem estava gripada era eu.”

Pior foi quando a invisibilidade chegou no círculo de amigos:
“Eu não vou no jantar hoje porque não estou bem.”
“Não precisa vir, mas traz o Matias!”

Quando perguntei para uma amiga, mãe de três, qual era a perspectiva de me livrar desse manto de invisibilidade, a resposta foi curta e grossa: “Uns dezoito anos. Até lá, pode ir se acostumando.”

Então me forcei a ver que ser invisível poderia ter suas vantagens.

Cabelo desgrenhado? Calça rasgada? Camisa babada? Pedaço de alface grudado no dente? Quem se importa? Eu podia me dar ao luxo de desprendimentos estéticos, porque ninguém repararia em mim. A invisibilidade poderia trazer liberdade.

Mas a maior surpresa veio no aniversário de um ano de Matias. Na pilha de presentes infantis endereçados a ele, havia um ou outro para mim. Um deles trazia um cartão, dizendo “Parabéns pelo seu primeiro ano como mãe.” Era de uma amiga, com filho pequeno, que assim como eu, sabe o que é ser invisível.

E assim percebi o segredo que deixa a zona fantasma da maternidade um lugar mais divertido: as mães não são invisíveis umas para as outras.


Eu, Maria Rita, exercendo minha invisibilidade ao carregar Matias no sling.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Nã nã ni nã não!

Você sabe dizer “não”? Não? Então aprenda com Matias. Aos 16 meses de idade, “não” é uma das palavras que ele mais domina na língua portuguesa.

Já foram tantos “Não coma essa caca do chão”, “Não jogue água fora da mamadeira”, “Não põe a mão no cocô”, não pra isso, não para aquilo, não para quase tudo, que a palavra entrou logo para o vocabulário de Matias.

Apenas recentemente li um artigo de um conceituado pediatra que dizia que os pais não devem falar tantos nãos para os bebês. Isso faria com que o significado da palavra ficasse banalizado e o bebê poderia ou desconsiderá-la ou superutilizá-la. Tarde demais para nós desta Ilha Maternália.  Matias tomou o segundo caminho - o da chuva de nãos.

Enquanto tentamos ensinar a utilidade de outras palavras como o “sim”, nos resta decodificar o significado de cada “não”. E são vários os tipos e as aplicações dessa palavrinha mágica.

Há os nãos bem categóricos, ditos de forma clara e seca, com a cabeça balançando de um lado para o outro, e que, em geral, estão associados à interrupção de uma atividade prazerosa:
“Matias, vamos embora do parque?”
“Não”.

Também existem os nãos que acontecem no meio de alguma brincadeira ou atividade lúdica. São, em geral, mais curtos e agudos:
“Matias, é aqui que encaixa a bolinha?”
“Ná."

Percebo alguns nãos duvidosos, aplicados em situações de dissimulação, que em geral acompanham um arregalar de olhos:
“Que cheirinho, hein, Matias! Fez cocô?”
“Não?!”

Matias possui nãos enfáticos muito eficazes contra uma mãe insistente com sua alimentação. Esses, em geral, são acompanhados por uma cara feia e um aceno negativo de mão:
“Quer mais feijão?”
“Nãããããããoo.”

Há os nãos que ecoam uma bronca. Matias repete a palavra como uma tentativa de aliviar a repreensão:
“Não pode subir na estante. Nã-nã-ni-nã-não!”
“Nã-não.”

Tão importantes quanto os nãos que querem dizer “não”, são os nãos que dizem “sim”. E Matias é mestre neles. Agudos e mais prolongados, lembram bastante um miado e são acompanhados por uma risadinha. Eles acontecem, por exemplo, quando Torero ataca Matias com uma chuva de beijos e depois pergunta:
“Posso dar mais beijo?”
“Nááááááum... hihihi.”
“Mas eu dou assim mesmo, schumack!”
“Hihihi... náááááum.”

Mas entre todos existe um não que me preocupa. É um não doído, sincero, que vem lá do fundo da alma. É um não inquestionável, com a voz baixa, olhar penetrante, cabeça e mãos em negação. Ele surge com uma experiência desagradável.  E pode vir acompanhado de choro. Aconteceu quando Matias provou meu frango com damasco, quando tomou – sem querer- uma chuveirada fria durante o banho e quando viu pela primeira vez o Papai Noel em carne, osso e fantasia.
“Mamãe, não. Não.”


Nessas horas, pego Matias no colo, com todo o aconchego que posso dar, e fico abraçada com ele por um tempão, até a sensação ruim passar. E se me perguntarem se estou cansada de segurá-lo ou se quero deixá-lo descansar em algum lugar, minha resposta será sempre a mesma: “Não.”



Matias vira um leão quando diz "não".

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Carta aberta a Jorge Ben Jor

Caro Jorge,

Eu te odeio. Até já gostei de você no passado, de verdade. Ia a seus shows e curtia suas músicas nas baladas. Mas eu passei a odiar você no dia em que Matias passou a amá-lo.

Nas últimas semanas a trilha sonora desta Ilha Maternália não tem sido outra além da música Taj Mahal, de sua autoria. Pelas minhas contas, já são mais de 150 horas, 24 minutos e 30 segundos de Têtê-têtê-retê.

É que meu bebê descobriu sua música quando um casal de amigos veio jantar com a gente.  Eles cantarolaram o refrão na inocência, porque Matias tinha acabado de aprender a falar o Tê de Tereza, nossa amiga. Daí pra frente, o Tê virou Têtê, que virou Têtê-retê e acabou em Têtê-têtê-retê.

Matias ouve a música enquanto brinca, vê o vídeo enquanto come, pede pela canção para dormir. Se estamos longe de algum aparelho que reproduza o som original, ele acena para eu cantá-la. E ai de mim se eu cortar o refrão pela metade. Ele chama minha atenção e completa gritando Têtêêêê!

Há algum tempo eu pensei que meu maior problema seria a Galinha Pintadinha. Nada poderia superar o reinado absoluto da hipnotizadora de bebês. Ninguém mais poderia se tornar o hit número um de Matias. Pobre galináceo de pena azul! Perdeu feio para o Têtê-têtê-retê do seu Taj Mahal.

A culpa é toda sua, seu Jorge. Maldita hora em que o príncipe Shah-Jehan se apaixonou pela princesa Mumtaz Mahal. Só porque ele construiu um palácio em homenagem a ela? Só porque o monumento virou a maior prova de amor do mundo? Convenhamos, seu Jorge, isso tinha que virar música?

Mas há um atenuante para seu delito, seu Jorge. Por causa de sua canção, Matias aprendeu a falar a palavra AMOR. E, aos 16 meses, essa talvez seja a palavra mais importante que meu filho poderia aprender.

Está perdoado.

Cordialmente,

Maria Rita, mãe do Matias.


P.S: Para visualizar Matias dançando e curtindo "Taj Mahal", veja o vídeo a seguir ou acesse http://youtu.be/yRtJX35CWc4
 

sábado, 6 de dezembro de 2014

A primeira papinha a gente nunca esquece

Eu não sabia fritar um ovo antes de virar mãe. Às vezes arriscava uma omelete, que acabava em ovos mexidos por falta de habilidade. Arroz? Chamava a maçaroca final de “estilo japonês”. Feijão? Nem pensar.

Uma vez resolvi chamar os amigos para um fondue. Afinal, qual seria o segredo de derreter queijos que seriam comidos com pedacinhos de pão? Mas havia um. Misteriosamente todo o soro saiu, se misturou ao vinho e deixou uma massa dura e redonda de laticínio boiando no meio da panela. O foundilha, como foi chamado, foi comido fatiado, acompanhado de grandes pedaços de pão, e deixou um sabor de indigestão.

Com tamanho histórico de falência culinária, dá para imaginar o susto que levei quando ouvi da pediatra “Matias já pode começar a comer papinha.“

Papinha? Do tipo sopa? Mas não seria melhor continuar com o leite? Afinal, Matias tinha chegado aos 6 meses forte e saudável. Pra que mudar?

Era preciso. A pediatra me explicou que as necessidades de Matias já eram outras. Estava na hora de experimentar novos sabores. E na Ilha Maternália eu precisaria cozinhar.

Socorro.

Diante do desafio, fiz o que qualquer mulher madura, segura e confiante faria: liguei chorando para minha mãe. Ela me tranquilizou. Disse que o ato de alimentar o filho seria como uma extensão do aleitamento materno. Mas algo me dizia que Matias estava a um passo da desnutrição.

Corri para a Internet, a bíblia da culinária, em busca de receitas de papinhas para bebês. Para minha surpresa, a maioria era um pouco genérica em relação às quantidades dos ingredientes.

Peguei a receita mais detalhada que achei e fui para a cozinha. Tenho certeza que a cebola riu de mim enquanto eu chorava ao cortá-la. Piquei e refoguei o frango, adicionei a mandioquinha, os legumes e o espinafre, coloquei a água e fechei tudo na panela de pressão. Quarenta minutos depois havia uma massa escura grudada no fundo da panela, contendo os restos mortais dos alimentos.

Liguei indignada para uma amiga que me aconselhou: “Essas receitas de papinha nem sempre dão certo. Faça no olhômetro.”

Olhômetro? Era só o que me faltava.

Já era quase hora de Matias comer e eu não sabia se apelaria para o bom e velho leite ou se tentaria a papinha de novo. Foi quando olhei no fundo de uma gaveta e vi um avental verde, das Mammas da São Vito, aquelas cozinheiras italianas de mão cheia que fazem a alegria das festas no Brás. Pensei: “Agora que eu sou uma mamma, bem que eu poderia ter uma ajudinha de São Vito”. Assim, coloquei o avental e, empossada de uma confiança divina, pus de novo a mão na massa.



Não sei se foi sorte ou se milagres acontecem para mães de fé. Mas a segunda papinha ficou boa e Matias comeu um pratão de gente grande.


Nunca mais fui para a cozinha sem o avental verde das Mammas da São Vito. Não importa que ele tenha um caimento ruim. Nem que seus bolsos estejam furados.  O fato é que ele virou meu amuleto. Ou minha muleta.


O emprego mais difícil do mundo

Eu fui uma workaholic. Durante mais de uma década, vivi apenas para o trabalho.

Eu era o sonho de qualquer empresa. Não só porque colecionava diplomas, porque falava várias línguas, porque tinha cursos e experiência de trabalho no exterior, ou mesmo porque eu topava desafios cabeludos por uma remuneração pífia.

Mais que tudo, eu era interessante porque estava sempre disponível.

Cheguei a ter três celulares: um pessoal, um da empresa e outro emergencial, uma espécie de telefone vermelho, para assuntos de suma importância. Assim, era comum receber telefonemas em horários obscenos e trabalhar madrugadas adentro para cumprir prazos inatingíveis.

De segunda a segunda, sem horário para começar nem terminar de trabalhar, dei o sangue, o suor e a saliva pelo sonho de construir uma carreira. Fui criada para ser o modelo da mulher independente que toma suas decisões.

A vida no mundo corporativo não me trouxe dinheiro, nem fama, nem poder, mas pagava as contas. Eu liderava projetos, fazia análises, estudava as organizações. Apesar de muitas vezes não amar um ou outro trabalho, estava capacitada para minhas funções e me sentia segura com isso.

A vinda para a Ilha Maternália me tirou da realidade corporativa.

Como Matias nasceu prematuro e precisou ficar um tempo na UTI, tive que abdicar do trabalho para cuidar dele.

Assim me tornei uma mammaholic. Durante mais de um ano, passei a viver exclusivamente para Matias.

No começo, achei que seria a maior moleza. Eu esperava viver na Ilha Maternália debaixo de sombra e água fresca, apenas lambendo minha cria. Seria como férias não remuneradas. Ou uma pausa justa e merecedora na vida de quem acumulou horas extras demais no trabalho e nunca tinha sido premiada por isso.

Ledo engano.

Matias virou meu maior cliente, exigindo dedicação total em tempo integral. Não há férias, nem fins de semana. Ele vem em primeiro lugar e seu lema é “satisfação garantida ou um choro de volta”.
A intensidade do trabalho piorou. Agora ele também envolve um componente físico, ou seja, correr o tempo todo atrás de um bebê que vive seu momento de “mobilidade com ignorância”. De segunda a segunda continuo sem horário para começar nem terminar o dia. Não há salário, mas tenho a maior responsabilidade do mundo.

Nos últimos meses, retomei o lado profissional. Estou tentando reinventar meu trabalho e adotei o home office como caminho. Os projetos estão escassos, a remuneração, pífia, mas é o preço de ficar mais perto de Matias.

Dia desses ouvi um amigo falar de mim para um ex-cliente, por telefone. Entre uma e outra brincadeira com meu ganho de peso, ele resumiu em uma frase sua visão sobre a dedicação à maternidade: “A Rita? Ela não fez nada no ano passado, mas agora voltou a trabalhar.”

Ser mãe é o emprego mais difícil do mundo. E, para piorar, é um trabalho invisível.

500 dias com ele

Há 500 dias vivo em uma ilha. A ilha Maternália.

Me lembro bem do dia em que vim parar aqui. Estava no salão de beleza, cortando o cabelo e fazendo mão, pé e depilação, quando de repente a bolsa estourou. Não, não foi a bolsa de valores. Muito menos minha bolsa de mão. Foi a bolsa que carregava Matias.

A chegada na Ilha Maternália foi via tsunami, apesar de uma gravidez em águas calmas. É que Matias quis vir antes do tempo e tive um parto prematuro. Matias mal nasceu e foi levado de mim direto para uma incubadora. Foram 23 dias de UTI, com muito choro, muito medo de perdê-lo. Até que a água baixou, uma nova ordem se estabeleceu e Matias saiu são e salvo do hospital. (A história de toda a gravidez e dos primeiros meses de Matias você encontra no blog Barrigudos, do UOL: http://barrigudos.blogosfera.uol.com.br/)

Por algum tempo vivi como uma náufraga isolada. Tínhamos tevê, computador, internet e banho quente. Mas nos primeiros meses como mãe havia pouca chance de utilizar esses luxos. As noites e os dias se confundiam e quem ditava meu sono era Matias. Fiquei com profundas olheiras e começava a sonhar quando piscava. Os cuidados pessoais foram para o brejo e, peluda, descabelada e com sobrancelhas de taturana, eu estava à beira de ser capturada pelo Ibama como espécie não catalogada. Torero, antes escritor, era um eficiente barqueiro que nos trazia suprimentos do mundo exterior.

Com o crescimento de Matias, a realidade na Ilha Maternália mudou. Ele passou a sentar, conseguiu engatinhar, fez um aninho, disparou a andar e está começando a falar. E eu consegui retomar atividades cotidianas triviais como escovar os dentes e passar condicionador no cabelo.

Há 500 dias descobri o que chamam de amor incondicional. Para minha surpresa, não é só achar o filho a criança mais linda do mundo. Nem é tão simples quanto colocá-lo em primeiro lugar e abdicar de coisas em prol dele.  É um sentimento profundo que faria com que eu desse a vida por Matias.

Percebi que existem várias ilhas como a minha, de todas as cores, formatos e tamanhos. Algumas contêm mais de uma criança. Outras têm inclusive mais de uma mãe. Há até ilhas habitadas por pães (pais que são mães). São ilhas e mais ilhas maternálias em todas as latitudes e longitudes do globo que se comunicam (mesmo com idiomas diferentes), trocam receitas, indicam leituras, dão dicas de médicos e de onde comprar roupas de bebês mais baratas. Juntas formamos um arquipélago. O grande arquipélago maternal.

Ilhoas maternas, saudações!
A partir de agora estarei a postos para trocar informações. Bons ventos e boa navegação!

Maria Rita, mãe do Matias.
Latitude: -23.530086
Longitude: -46.669927
e-mail: miss.barbi@uol.com.br